HISTÓRIA DO BALEEIRO DA ILHA DO PICO
Aquele dia, em São João, amanhecia claro e à medida que o sol subia para os
lados das Lajes, o verde das vinhas e do milho destacava-se por entre o negrume
das pedras. Os homens já se dirigiam para as terras para sachar milho, apanhar
batatas ou bater tremoço. As mulheres preparavam na cozinha o almoço de sopas de
bolo, papas de milho ou batatas com peixe.
De repente o sinal de
baleia fez tudo mover-se a um ritmo mais acelerado.
Os
homens largaram o sacho ou o alvião no lugar em que estavam, abandunaram a burra
presa pela corda do freio à parede e correram para o porto, enquanto as mulheres
lhes preparavam e alcançavam a saca com a comida.
Arriaram
os botes e foram pelo mar fora, até que desapareceram no horizonte. Depois de
navegarem à vela algum tempo, avistaram a baleia. Era um "espamarcete" pra cima
de cem barris de óleo.
Gerou-se grande reboliço nos
botes. É que uma baleia daquelas dava uma ânsia muito grande: não era só o
dinheiro que ela representava, mas também o prazer de uma grande batalha
vencida. Tiraram a vela e puseram-se a padejar. A baleia voltou a mergulhar para
aparecer mais fora.
No bote que conseguiu pôr-se em
posição primeiro, o trancador, curvando o corpo e fixando o olhar, atirou o
arpão certeiro. A alegria e a confusão foi geral. Mas a baleia, ferida e doida
de dor, levou a primeira celha de linha, lecou a segunda e, antes da ponta da
linha sair da celha, o trancador, que era um latagão forte, agarrou-a a
amarrou-a ao tronco. Lá
foi amarrado à linha pelo mar fora
enquanto os demais baleeiros ficaram sepultados num silêncio de morte. Só o
oficial dizia: "Não! Não!"
Não havia ainda gasolinas, havia
mais 3 ou 4 botes por perto, passou-se palavra e toda a tarde procuraram com
tristeza o "cadáver". Até os outros deixarem de balear. Não podendo fazer nada,
voltaram ao entardecer paraterra.
A chegada ao cais não
teve a alegria do costume e as discussões sempre tão fortes entre os baleeiros
não se ouviram. A família vestiu-se de luto e toda a santa noite as vizinhas
choraram e carpiram de dor enquanto os homens contavam em voz baixa e dolente
casos que tinham vivido com aquele forte homem.
No outro
dia saíram alguns botes à procura, por descargo de consciência, do corpo do
trancador para que lhe dessem enterro digno. Depois de muito andarem, começaram
a avistar, ao longe, um negrume no mar e foram para lá.
Sobre a grande baleia, já morta, estava
o baleeiro, de pé, encostado ao cabo do arpão fincado no toucinho do animal.Como
se nada tivesse acontecido disse: "Agora é que vocês chegam? Tenho tado aqui
toda a noite à espera!" e fumava um grosso cigarro, embrulhado em casca de
milho, como se estivesse sentado à mesa
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