“Pão-por-Deus, por alma dos seus”. Neste dia 1 de Novembro, era este o pregão nas ruas da gente pobre que sempre fomos. Não é uma tradição açoriana, já que terá sido trazida pelos primeiros habitantes e reconhecem-se as suas origens em vários pontos do Continente. O que se sabe é que o “Pão-por-Deus” ganhou contornos especiais nas ilhas, fruto do isolamento, das fomes e dos cataclismos e daqui partiu para outras paragens há quase 300 anos, como acontece em Santa Catarina na Brasil.
Começou por ser um peditório pelas almas, para se tornar mais tarde, um dia de partilha, do pouco que havia e de que tudo se dava. Dar um pão pelas almas, nesta altura do ano, era como que fazer o regresso de memórias e dores, despejadas do alto das torres que não se cansavam de repetir os “sinais” a lembrar que “as misérias deste mundo um dia passam”.
O culto dos mortos era peça fundamental no mundo dos vivos. A tradição não é estática e por isso mesmo, desde o tempo do “pão” dado anonimamente e deixado no parapeito da janela, para ser recolhido pela primeira pessoa que passasse, desde o cálice de aguardente ou do copo de vinho pelas almas, até às saquinhas de retalhos de fazenda, com castanhas e rebuçados à mistura, vai uma grande distância.
“Pão-por-Deus” andava na boca das pessoas e congregava não só as crianças, mas gente graúda que não resistia ao sabor de um prato de milho cozido ou a um punhado de castanhas cozidas.
Aliás, no “ Pão-por-Deus”, todos os que podiam tinham nas suas casas uma boa panela de milho cozido, de preferência branco misturado com amarelo, e as castanhas eram indispensáveis, compradas à quarta (medida de que hoje poucos se lembrarão) e cozidas para dar e comer. Rebuçados e guloseimas, tudo isto surgiu mais tarde para gáudio do rapazio e das meninas que neste dia lá iam tirando o desconsolo de todo o ano, mesmo com os rebuçados feitos em casa, com calda de açúcar e um pouco de vinagre.
Da tradição fica a recordação das saquinhas de chita, ou de quadradinhos de fazenda que as crianças levavam e que gostavam de trazer cheias de doces ou outras guloseimas. Mais que tudo, ficava o agradecimento e para quem abria a porta, a sensação de “já termos estado no outro lado da barricada”. E recorda-se sempre a forma como se dizia:
Abre a porta ao Pão-por-Deus
Dá-me qualquer esmola
Seja por alma dos seus
O que puser na sacola…
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